domingo, 11 de dezembro de 2011

FITILÁ- ÉMI (LAMPARINA DO ESPÍRITO) – VIVENDO NO DIA 20 DE NOVEMBRO A ANCESTRALIDADE DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DOS CAETANOS


No dia 20 de novembro de 2011, o grupo de percussão Fitilá émi (Lamparina
do Espírito) integrante do NACE, esteve nas comemorações do dia da consciência negra
da comunidade quilombola dos Caetanos, município de Tururu no Ceará. Ao chegar
pela manhã, uma leve tristeza por saber que a festa havia ocorrido na noite anterior
(sábado) e que somente continuaria à noite, momento em que já não estaríamos lá.
Saímos então a viver a manhã do lugar; conhecer a escola que se preparava
para a festa da noite e onde fomos, carinhosamente recebidos por dona Bibil grande
liderança, comer caju tirado do pé, conhecer a casa de farinha tendo Pedro, filho de
dona Bibil, como gentil anfitrião. Após almoço providenciado pelas próprias moradoras,
e durante o qual trocamos conversas com dona Bibil sobre suas percepções das coisas
do mundo, surgiu a proposta de fazermos parte de uma cerimônia de recepção a outras
comunidades que haviam chegado.
Tínhamos levado alguns instrumentos com a intenção de colaborar com
a festa, já que o Fitilá émi vivencia a musicalidade de matriz africana. Foi então que,
para surpresa nossa, da comunidade e dos visitantes, esse momento de acolhimento
despretensioso e improvisado se tornou uma grande celebração; uma roda de cânticos
e danças com ritmos de matriz africana e participação da própria comunidade
tocando conosco, reunindo pessoas de vários credos, idades, gêneros, numa interação
transcendente. A alegria foi tão contagiante que nos propuseram participar de outra
atividade às 18:00h, quando então se cantaria a Ave Maria, em ritmo de ijexá, para a
moradora mais antiga da cidade, dona Antônia de 96 anos.
Durante esse intervalo, fomos convidados e saborear a deliciosa tapioca
com café e nata, feita em fogão de lenha por dona Helena. Tudo preparado com o mais
delicioso tempero: puro afeto e carinho!
Esperando então o momento da visita à senhora mais ancestral da cidade,
ainda tivemos o prazer de brincar num parquinho de diversão que se armava ao lado da
igreja, momento singelo, simples, e por isso mesmo sensibilizador.
Batem seis horas e nos dirigimos à casinha de dona Antônia, situada na pracinha,
quase em frente à igreja que se ornamentava toda para a missa afro.
Sentada em sua cadeira, de lenço branco na cabeça, vestidinho de flor, dona Antônia
nos esperava com a paciência e a serenidade de quem já muito caminhou e
lutou nessa vida. A casa pequenina, sala apertada, acolhia a todas e todos que haviam
festejado conosco à tarde, exibindo com orgulho e altivez seus trajes coloridos.
Olhos ansiosos, corpos pulsando, pareciam pedir aos tambores que começassem
logo a tocar, ainda se tinha tanto o que expressar!
Começa-se então a Ave Maria, acompanhada pelos atabaques e outros
instrumentos tocando o ijexá. Dona Antônia acompanha com palmas de mãos,
semblante de felicidade, como que surpreendida pela sonoridade. Os cânticos continuam
em Yorubá e outras línguas, saudando a ancestralidade da Rainha do lugar.
A salinha tão pequena e tão aconchegante, abarrotada de sorrisos, lágrimas,
arrepios, êxtase, parece iluminar toda a vila. Todas e todos a reverenciar dona Antônia,
dona Bibil e tantas e tantos outros que lutaram e lutam pela terra, por uma vida digna.

Diante de tamanha emoção, nada de mais intenso parecia poder acontecer;
nesse momento, como que para fazer brilhar a luz das almas que estavam e estiveram
por ali, ocorre uma falta de energia, toda a comunidade fica às escuras, ao som dos
tambores e dos corações explodindo de tanto contentamento por um vivência tão
transcendente.
Continuo procurando e não encontro palavras que possam expressar tudo o
que foi vivido e sentido naquela casinha, naquela comunidade, com aquelas pessoas que
estavam e que estiveram por lá.
Somente posso agradecer por termos participado de algo tão grandioso,
porque era simples, porque vinha da força do povo que luta, junto à natureza, por uma
vida com dignidade. É a força, o poder e a beleza do povo e seus ancestrais.
Axé!

Jacinta Aquino (Jajá)